O “sempre preparado” Rafael Marques faz, hoje, algo que não imaginava fazer tão cedo: ser treinador de futebol. Depois de brilhar com a camisa de Palmeiras e Botafogo, entre outros clubes, enquanto atacante amuleto, o araraquarense segue entusiasmado com a bola e o relvado, mas agora com a prancheta na mão.
“E acho que no futebol é assim, ‘o cavalo selado só passa uma vez’ e a gente tem que montar e seguir nosso destino, com as nossas convicções. Preparado eu sempre estive. Quando você tá no meio de futebol, você tem que estar preparado para tudo. Pronto quem vai dizer é o campo, é o trabalho, o jogo”, disse o agora treinador do Primavera, em entrevista exclusiva à oGol.
Ao pendurar as chuteiras em 2022, no próprio Fantasma de Indaiatuba, Rafa escolheu seguir no futebol como auxiliar do clube paulista. Foram três anos na função “secundária” até chegar a oportunidade de ser o comandante do time, logo na temporada mais importante da história do clube: 2026, a de estreia na elite estadual. Mas Rafael nunca quis isso, pelo menos até alguns anos atrás.
“Eu nunca pensei em ser treinador. A chave virou perto de eu parar (de jogar). Com algumas conversas com alguns ex-companheiros, o perfil que eu tinha eu teria que me manter dentro do futebol. Senão as coisas erradas continuariam acontecendo e isso iria só aumentar. O futebol precisava de mais pessoas capacitadas. E em 2021 vem o convite, para fazer essa transição”, pontuou.
O sucesso de Rafael Marques enquanto auxiliar caminha com o sucesso do Primavera. Antes inexpressivo nas divisões inferiores do futebol paulista, o Fantasma começou a colher os frutos de um projeto que Deco, Nenê Zini e Rodrigo Arroz acreditaram há alguns anos. Em 2026, o clube de Indaiatuba jogará o Paulistão e a Copa do Brasil, algo inédito em 98 anos de história.
“É só o começo, tem muita coisa para acontecer ainda. O caminho que o Primavera está seguindo é o de se tornar um Mirassol, um Bragantino da vida. Não adianta dar um passo maior que a perna, acabar se perdendo e saindo da nossa filosofia. Vai estar aqui quem tem sede de vencer, quem pensa no clube também, não só em si mesmo. Aqui é um trabalho de longevidade. Perdendo, ganhando, não muda nada. É o mesmo pensamento, é a mesma filosofia”, continuou dizendo.
E os sonhos ficam de lado para Rafael Marques, pelo menos nesse momento. O objetivo no Paulistão de 2026 é bem claro: a permanência. Estreante na elite, o Primavera ainda não consegue lutar financeiramente com os outros clubes da primeira divisão, mas não faltará esforço e dedicação para atingir o objetivo.
“A gente tem tudo na mão para fazer um bom campeonato. Esse bom campeonato é o quê? É ter os pezinhos no chão, é a permanência. O primeiro objetivo é esse. A gente ainda é o patinho feio para os outros clubes da competição. Mas esse não é o rótulo. É o caminho que a gente vem construindo há alguns anos. A gente tá no caminho certo”, disse o comandante.
“É tudo planejado. Eu tô aqui há três anos fazendo meu trabalho, mostrando minha capacidade. Quando foi preciso, eu correspondi como treinador. Os jogadores me escutam. É planejamento, é o perfil da filosofia, o perfil do Primavera, longevidade. O treinador que vem hoje para cá, ele vai ter o o o tempo para ele poder colocar em prática o trabalho dele. Tem trabalhos que rapidamente já dão liga e dão retorno, como tem trabalhos que são um pouco mais longos. No Brasil não se tem essa filosofia. São poucos clubes que tem isso”, completou.
É sobre aproveitar as oportunidades
Nascido no interior de São Paulo, em Araraquara, Rafael Marques Mariano desde sempre nutriu o sonho de ser jogador. Foi na Morada do Sol que o atacante deu seus primeiros passos, enquanto defendia a Ferroviária em 2001, pela quarta divisão do futebol paulista.
Logo em seu começo de carreira, Rafa vestiu uma das camisas mais pesadas do futebol brasileiro: a do Palmeiras, em 2004. Mas, até chegar no Palestra Itália, o atacante pulou de galho em galho. Portuguesa, Atlético Jundiaí, Athletico Paranaense, Rio Claro, Campinas e Independente de Limeira apareceram antes da Ponte Preta, seu trampolim para o Palestra, mas, também, sua primeira projeção ao futebol nacional.
“Eu era artilheiro dos juniores, na justiça contra a Ponte, sem receber. O acordo com o Palmeiras estava encaminhado, mas aí o Fabrício Carvalho some, por conta dos salários, e eu vou para um jogo da Série A contra o Athletico. Eu achei que ficaria só no banco, mas o Abel Braga me chama, eu entro e faço o gol da vitória. No próximo jogo, um dérbi contra o Guarani, eu sequer entro. Aí, com a liminar, eu pego minhas coisas e vou para o Palmeiras. A diretoria da Ponte nem veio falar comigo, dar alguma explicação, nada aconteceu”, disse.
Mas, nessa primeira passagem, Rafael jogou pouco pelo Verdão. Foram apenas 13 jogos e um gol, até sair para a Inter de Limeira. 11 anos depois, após se aventurar por Turquia, Japão, China e, claro, pelo Brasil, o atacante retornou ao Palestra, dessa vez para colocar seu nome para sempre na história do clube alviverde.
Rafael Marques vestiu a camisa alviverde em 90 oportunidades, balançou as redes 20 vezes e ergueu suas duas maiores taças da carreira: a Copa do Brasil e o Brasileirão. Rafa era o “queridinho” de Oswaldo de Oliveira, que o levou ao clube, e o “amuleto” de Cuca, com quem foi campeão dos dois torneios. E não há como negar que seu coração virou alviverde.
“Eu não queria ficar na China e surge o interesse do Oswaldo. É aí que começa essa essa história bonita, linda, onde eu me torno palmeirense. Já tinha esse gostinho na primeira passagem, quando eu volto, isso aflora mais. Não tenho problema algum de falar, mesmo hoje estando numa equipe profissional. Eu sou profissional. Eu ganho os títulos e o carinho da torcida. Foi uma passagem maravilhosa”, disse
Antes de se destacar pelo Palestra, entre 2015 e 2016, Rafael viveu uma bela história com a camisa alvinegra do Botafogo. Vindo do futebol japonês em 2012, a pedido do mesmo Oswaldo de Oliveira, o atacante não teve um início fácil: em sua primeira temporada, o atacante passou um semestre sem marcar e foi crucificado pela torcida. Mas o futuro sorriu e fez, de 2013, a sua temporada mais goleadora enquanto jogador.
“Foi um aprendizado, me deixou mais forte. Foram os seis meses mais difíceis da minha carreira. Eu era vaiado até no vestiário, até com a imprensa era ruim. Os resultados não vinham e o Oswaldo também estava sendo cobrado. Aquilo machucava. Mas eu sempre trabalhei quieto. Bem ou mal, faz parte da profissão”, disse o ex-atacante.
“No fim do ano, o Oswaldo me dá respaldo. Ele estava preocupado comigo e eu com ele. Eu peço para fazer a pré-temporada. Eu treinava no terceiro time, mas eu estava bem demais. Os próprios jogadores chegaram no Oswaldo e pediram para eu jogar. Foi aí que veio a reviravolta. Você nem sempre vai viver só de bons momentos, é saber lidar com as oscilações. Eu precisava mudar a imagem que o torcedor do Botafogo tinha de mim e eu consegui. Eu termino o ano como destaque de um elenco, ao lado do Seedorf”, completou sobre a passagem em General Severiano.
Rafael Marques também defendeu Cruzeiro e Sport, mas o futebol não foi tão justo nessas passagens. Foram 23 jogos na Raposa e um gol, e 20 partidas no Sport, também com um tento marcado. No Leão, Rafa conviveu com o atraso salarial e viu isso refletir diretamente no resultado. Antes da parada para a Copa do Mundo de 2018, o clube era o sétimo colocado. Ao fim do torneio, a equipe foi rebaixada à Série B.
“A gente para para a Copa com algumas pendências financeiras, com o diretor dando promessa de pagamento. Aí a gente volta da parada e eles não pagam nada. É onde ‘o bico do avião começa a inclinar para baixo’. Não somos movidos por dinheiro, mas precisamos pagar as contas. Começa fora e não tem como não resvalar dentro do campo. Serve de aprendizado”, disse.
Uma de suas últimas experiências enquanto jogador de futebol também foi dura. Em 2019, Rafael Marques disputou a Série B pelo Figueirense, em um ano que tudo virou de cabeça para baixo no Orlando Scarpelli. O Figueira viveu uma das piores crises da sua história e só não amargou o rebaixamento para a terceira divisão por conta dos jogadores, que, mesmo sem receber, fizeram um movimento para honrar a torcida e a instituição.
“O clube estava perto de falir. O presidente da época, que, para mim é um bandido, queria falir o Figueirense. Só que a gente foi percebendo o que estava acontecendo. Teve até manifestação dos funcionários. E a torcida demorou a ficar do nosso lado. Aí é a onde a gente consegue tirar esse presidente e consegue manter o Figueirense na Série B. Esse perfis de má gestão estão diminuindo. Os clubes tendem a virar SAF e isso é o caminho futuro para todas as equipes”, finalizou.
São 24 anos de carreira profissional para Rafael Marques, entre jogador e treinador. Mas é uma vida toda ligada ao futebol. E não há dúvida que o araraquarense está sempre preparado para o esporte bretão. O cavalo selado só passa uma vez, e Rafael não perdeu a oportunidade de montar.
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