“Seja resiliente, persevere, não desista jamais. Muitas vezes, antes de tudo ficar bom e fácil, vai ficar duro e difícil”. Esse é o lema do treinador Ricardo Catalá, que, há pouco mais de um mês viu as coisas darem certo mais uma vez em sua carreira. Foi com o São Bernardo que o comandante conquistou o acesso à Série B, uma de suas grandes conquistas na carreira.
Ricardo Catalá retornou para sua segunda passagem no Bernô no dia 3 de abril de 2024. O comandante é o terceiro mais longevo das divisões nacionais no Brasil, atrás apenas de Abel Ferreira e Rogério Ceni. E foi com muito equilíbrio que o treinador chegou ao sucesso pelo clube aurinegro, mas também com um proposito muito equilibrado.
“Para mim, é sempre importante na vida o equilíbrio. É importante que uma equipe ataque bem, mas que ela também defenda bem. E é importante que você tenha dentro de um elenco jogadores experientes, com bagagem, e tenha o jovem, que tenha aquela ambição, que arrisca, que tenha aquele desejo de crescer e conquistar. Eu acho que um alimenta o outro”, disse o comandante em entrevista exclusiva para oGol.
Catalá não é um treinador que apaga incêndios no futebol brasileiro, mas um treinador que constrói projetos. Foi assim no Red Bull Brasil, foi assim no Mirassol e se mostra assim mais uma vez no São Bernardo. O acesso à Série B depois da boa campanha na terceira divisão, neste ano de 2025, foi consequência de todo o trabalho.
“Acho que o acesso é merecido por tudo que o clube vem construindo nos últimos anos. A continuidade é importante. Às vezes você vai bater na trave, como bateu em 2023 com o (Márcio Zanardi) e bateu em 2024 comigo, mas esse ano veio. Eu espero que o clube consiga ter a mesma linha de raciocínio. Hoje, o São Bernardo é um clube consolidado a nível regional, agora o desafio é consolidar o São Bernardo a nível nacional”, pontuou.
Em seu primeiro desafio no Primeiro de Maio (Vila Euclides) Catalá não conseguiu o resultado que queria. Na Série C de 2024, o clube fez uma campanha consistente na primeira fase e avançou ao quadrangular final na quarta colocação. Porém, a equipe somou apenas cinco pontos na segunda fase e ficou sem o acesso. Diferentemente do que aconteceu em 2025.
O desempenho nos 19 primeiros jogos foi, novamente, positivo. No quadrangular final, porém, a equipe ameaçou ter o mesmo fim do ano anterior, com três empates nos três primeiros jogos, mas não era hora de desespero. O futuro estava planejado e, dessa vez, foi feliz para o São Bernardo.
“É um campeonato duro. Mesmo nesse momento de dificuldade, do quadrangular final, conseguiu ir adiante. Mesmo na ausência de vitórias, a gente sempre foi muito franco com os jogadores. Estávamos jogando bem, o gol só não saía. A gente soube sofrer quando precisou. Foi uma equipe criativa, coesa, equilibrada e estamos na série B. Somos um dos quatro que estamos na série B e tem muito mérito nosso nisso”, continuou dizendo.
Catalá conquistou esse acesso ao lado de nomes muito conhecidos no cenário brasileiro, como Vanderlei, Bruno Silva, Léo Jabá, Emerson Santos, Felipe Azevedo, Victor Andrade e Alex Alves, por exemplo. A juventude é sempre importante, mas não há como deixar a experiência de lado, na visão do comandante.
“Acho que em alguns momentos acaba tendo um pouco mais de protagonismo daquele que é mais experiente, em outros acaba tendo daquele que é mais novo e com mais ambição e desejo. Acho que a gente conseguiu fazer isso, nossa equipe era uma equipe que reunia experiência e juventude e energia. E todos esses jogadores são caras especiais e foram muito importantes para que a gente atingisse o objetivo”, disse.
Com a vaga na Série B garantida, seria hora das férias, mas Catalá não tem tempo para isso. O Campeonato Paulista está batendo na porta e não tem como perder tempo. Se o foco é melhorar o desempenho, no estadual a régua está alta: o clube fez sua melhor campanha da história em 2025, com a segunda colocação na primeira fase e a quinta ao fim do torneio. Mas uma coisa é fato, veremos Ricardo na beirada do gramado do Primeiro de Maio.
“Eu tenho contrato com o clube até o final do Campeonato Paulista. O meu acordo com o clube foi de colocar energia em manter os atletas, depois a gente a gente senta e resolve o contrato. Certamente até o fim do Paulista eu fico no clube. Eu gosto de continuidade, então acho que acho que tudo caminha para esse cenário, para esse desfecho”, concluiu sobre o Bernô.
Muito mais importante que troféus, a humanidade
Ricardo Catalá Salgado Junior sempre foi ligado ao futebol. Porém, ao contrário do sonho da maioria dos brasileiros, Catalá sonhava em ser treinador, não jogador. Nas palavras do próprio Ricardo, contar sua história no futebol daria “mais do que dois blocos de entrevista e um livro”.
“Com 13, 14 anos eu reuni os garotos mais jovens do condomínio onde eu morava, de 9, 10 anos, e inscrevi em campeonato de futsal. Mesmo sem ter nenhuma base eu fui como treinador. Ali já existia essa paixão, esse desejo. Eu até jogava bola com os meus amigos, nunca fui um cara bom. Nunca tive esse desejo de me tornar atleta. Naquela época, 30 anos atrás, os treinadores eram ex-atletas. Então, precisava fazer algo de diferente para ter sucesso”, disse.
“Meu plano era virar preparador físico. Eu cursei educação física e, no primeiro ano, fui treinador da equipe universitária. Em paralelo, eu trabalhava numa escolinha de futsal. Acho que o treinador precisa ser um professor, ele precisa melhorar jogador e isso é uma marca registrada da minha carreira”, completou.
Mas se engana quem pensa que o início de Catalá no futebol profissional foi fácil. As portas pareciam fechadas no cenário brasileiro e, além disso, a experiência era insuficiente. A solução? Se atirar no desconhecido continente europeu para tentar a sorte na profissão de treinador. Hoje, mais de 20 anos depois, sabemos que deu certo.
“Eu vendo meu carro e compro uma passagem só de ida para Barcelona. Decidi ir para Espanha para poder aprender mais e poder trabalhar com o futebol na Espanha. Eu fui achando que eu ia chegar lá e arrumar um emprego no futebol fácil. E não foi, eu tomei muitos ‘nãos’ lá. Precisei trabalhar em subemprego, eu era manobrista de carro. Consegui trabalho no futebol depois de uns 6 meses mais ou menos no país. Era num clube chamado CE Europa, da terceira divisão espanhola. Trabalhei lá durante quase quase três temporadas, desde treinador do sub-15 até auxiliar do profissional B. E ali foi onde eu realmente me desenvolvi muito”, explicou.
Em 2008, Ricardo retorna ao Brasil para, enfim, dar início ao seu sonho em sua terra. Foi no Audax, na categoria sub-17, que ele começou a treinar em solos brasileiros, e foi lá mesmo que o comandante deu início aos seus primeiros cases de sucesso. Catalá nada mais foi que o mentor de Raphael Veiga, hoje ídolo do Palmeiras.
“O Veiga tem uma história engraçada. Eu captei ele no futsal. E na transição de 14 para 15 queriam mandá-lo embora, mas eu não deixei. Eu disse para ele ‘você vai ser um meia não sei em que nível você vai jogar, mas hoje você não tem força para toda a demanda do meio, então eu vou te colocar para jogar de beirada’. Ele sempre teve uma batida na bola boa, ele sempre teve uma capacidade técnica invejável, de flutuar entre as linhas. É um dos poucos jogadores que eu frequento a casa, a gente construiu uma relação que transcende essa questão do campo. Acho que ele ele foi um daqueles que confiou bastante naquilo que eu dizia. Veiga é um cara especial”, pontuou Catalá.
Mas o brilho em Osasco não foi só pelos jogadores, como Bernardo, Tchê Tchê e Wellington Rato, mas também por um treinador que, na época, comandava o profissional do Audax, e hoje é campeão da Libertadores: Fernando Diniz. Desde sempre, Diniz foi uma inspiração para Catalá, e hoje é mais que um grande amigo, é um irmão.
“O Diniz é um baita ser humano, é um cara rodou nos maiores clubes do país, foi treinador de seleção e não esquece as origens. Ele é um fenômeno, como pessoa assim, como amigo, os melhores conselhos talvez que eu tenha recebido de alguém que está na área técnica vieram dele, e não conselhos atrelados ao jogo, mas conselhos sobre a vida. É um cara que tem uma perspectiva da relação com o jogador, com essa veia de desenvolver o ser humano”, declarou.
Assim como o mentor, Ricardo também assume essa preocupação sobre a humanidade. Nem só fora dos gramados, mas dentro deles também. Não à toa que, como foi com Veiga, Catalá interfere diretamente no que o jogador acredita para tirar o que tem de melhor lá dentro. Foi assim, por exemplo, com Bernardo, que já soma dez anos de experiência no futebol europeu.
“Na base do Pão de Açúcar (antigo Audax), o Bernardo era monitorado por um gigante inglês. Eu digo para ele :’Você tem que jogar na lateral e na zaga, não como 8′. Esse captador falou que não via ele tendo sucesso na posição e ele confiou em mim, seguiu como zagueiro e lateral. E aí, muitos anos depois, ele estava jogando no Leipzig, e me mandou um relatório com os números de fim de temporada da Bundesliga. Se não me engano, ele tinha o quarto ou sexto sprint mais rápido da Bundesliga. E olha o quanto é importante você construir relação sólida com o jogador”, falou.
Depois da saída do Audax, Catalá passou cinco anos no Bragantino, quatro como auxiliar e um como treinador, de 2013 a 2018. Apesar de ser um clube-empresa, Ricardo não viu muita tecnologia nas dependências, mas sim um embrião que, anos depois, se mostraria muito certeiro. Não à toa que o clube hoje está na elite e, recentemente, foi vice-campeão sul-americano.
E é sobre participar de embriões e construir projetos que Catalá baseou sua carreira toda. Não à toa que o comandante passou pelo maior destaque do ano de 2025: o Mirassol. Foram duas passagens pelo Leão do Maião, em 2019 e em 2022-23 (com título da Série C nessa segunda). Tal qual muitos outros disseram, o sucesso do clube não é sorte.
“Eu trabalhei duas vezes no Mirassol sem assinar contrato. O presidente Juninho sempre honrou tudo que combinou. Os atletas sabiam que iriam receber, a condição do gramado seria boa, terá treinos de qualidade. Foi um longo período de semeadura, de plantio, para que hoje o clube possa colher. A gente vê vários clubes despontando no país com esse tipo de mentalidade, porque isso transforma o nosso futebol num lugar melhor para se trabalhar”, disse.
Além das passagens citadas, Ricardo Catalá também treinou Guarani, Operário Ferroviário e Remo. A porta ficou aberta em todos os clubes e a importância do comandante no sucesso dos respectivos projetos é notada até os dias atuais, mesmo anos após sua saída.
“Eu ligo para o presidente do Operário e ele me diz ‘obrigado por ensinar o Operário a fazer futebol’. Eu recebi homenagens no São Bernardo, me parabenizaram pelo sucesso no Mirassol. Do Remo me falaram ‘toda vez que eu olho para esse eu lembro de você’. Eu não quero que o que me defina seja a bola que entra, a bola que não entra ou o troféu levantado. Isso é consequência dessas coisas que eu deixo de legado dentro dos clubes, que vão perdurar por muitos anos e vão ajudar os clubes a ter um processo deles, uma identidade, uma cara”, finalizou.
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