Rogério Micale é um dos melhores treinadores quando o assunto é categorias de base no Brasil. Vencedor do primeiro ouro olímpico com a Canarinho, campeão da Copinha e bi da Taça BH de Futebol Júnior, o técnico de 56 anos está agora à procura de um novo clube após deixar a seleção olímpica do Egito, mas o futebol brasileiro parece distante no horizonte.
“Eu quero buscar um lugar que me dê o mínimo de condição. Eu nunca consegui montar uma equipe aqui no Brasil. Sempre peguei trabalhos de outros, isso que me preocupa no Brasil. Eu tive convites de Série A, B e C. Estou negociando algumas coisas fora do país, inclusive com seleções olímpicas. Eu não sei o que o destino me reserva”, disse o treinador em entrevista exclusiva para oGol.
Soteropolitano, o “paizão” Micale mais que comprovou essa alcunha durante a sua carreira. As experiências como treinador das categorias de base são, em sua visão, cruciais para a sua formação como pessoa, mas muito difíceis, por outro lado.
“É um desafio, porque é uma idade mais difícil, uma idade de transição, principalmente também dentro do futebol. Ele (jogador) está saindo da adolescência para entrar na fase adulta, com várias incertezas. O funil é muito apertado. Eu digo que o futebol é o maior vestibular do mundo. Esses jovens vão chegando na fase de sair da base para o profissional e é um momento extremamente complicado. Você tem que trabalhar muito também nessa fase emocional, psicológica dos meninos, porque são seres humanos, não são máquinas”, disse.
Apaixonado por futebol desde sempre, Rogério não poderia deixar seu sonho para trás. Em 1988, aos 19 anos, o na época goleiro ingressou nas categorias de base do Londrina, clube que mais defendeu em sua carreira, por cinco anos. Seu futuro era no futebol, mas na beirada dos gramados.
Após seis anos de carreira e, diante de tanta dificuldade para engrenar, Micale resolveu seguir outros caminhos. Rogério, então, se dedicou aos estudos e, com seus recém-completos 30 anos, assumiu as categorias de base da Portuguesa-PR. Dali em diante, as coisas passaram a fluir para aquele que, anos mais tarde, entraria na história da seleção brasileira. Para Rogério, porém, não era hora de pressa.
“Eu sempre achei que eu precisava ficar em casa vendo minhas filhas crescerem. Eu queria que elas tivessem um pai presente. E eu não via, na questão de treinar no profissional, essa presença. Então durante muitos anos eu optei em permanecer na base. Eu não me arrependo de nada, porque me sinto bem hoje com a missão que eu coloquei como pai”, pontuou.
E o tempo foi bondoso com o comandante. Depois de algumas experiências no Paraná, por Portuguesa, Londrina e Marcílio Dias, Micale chegou ao Figueirense, onde mostrou suas credenciais. Em 2008, o comandante levou o Figueira para o título da Copa São Paulo de Futebol Júnior, o que o renderia ainda mais projeção.
No ano seguinte, com alguns cortes no clube catarinense, Rogério foi demitido, mas rapidamente foi contratado para assumir a equipe sub-20 do Atlético Mineiro, seu clube mais longevo como treinador.
“O Galo tem algo que me chamou muita atenção e que não foi surpresa, porque eu conheci algumas estruturas no futebol brasileiro, grandes, mas não trabalhando diretamente nelas. Eu achava aquilo encantador, aquele tamanho, todas aquelas possibilidades. Essas coisas eu vi que realmente tava chegando em um time grande”, disse.
E em Minas o desempenho foi muito animador. Nesses seis anos, Micale conquistou duas Taças BH de Futebol Júnior e participou da revelação de alguns nomes hoje carimbados no futebol brasileiro, como é o caso de Bernard, que retornou ao Galo no ano passado, e Jemerson, que hoje defende o Grêmio.
O legado dourado na Amarelinha
Foi em meados de maio de 2015 que Rogério Micale recebeu a resposta que mudaria a sua vida. Com a demissão de Alexandre Gallo, o treinador recebeu o convite direto de Marco Polo del Nero para assumir a seleção sub-20 do Brasil, após seis anos de Atlético Mineiro. Os cartolas do Galo queriam a permanência do treinador em Minas, mas não se pode negar um chamado da Canarinho.
“Eu não poderia dizer não para a seleção, que é o meu sonho, sempre foi. Veio um pedido direto do Del Nero, que era o presidente, ao presidente do Galo, e houve a liberação. Eu cheguei na semana, praticamente, de ir para o Mundial. Nós treinamos ali alguns dias e fizemos uma campanha maravilhosa. A nossa equipe foi até bem melhor na final”, pontuou Micale, em relação à final do Mundial Sub-20 de 2015, perdida para a Sérvia.
A princípio, Rogério seria apenas o comandante da categoria sub-20, enquanto Dunga comandaria a Canarinho nos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016. Acontece que, por conta dos maus resultados na Copa América de 2015, o ex-volante do tetra foi demitido, e o comando da seleção olímpica caiu no colo de Micale, em cima da hora.
Com a notícia bombástica, o treinador teve de “se virar nos 30” para garantir que tudo corresse bem, com menos de 24 horas para definir a lista de convocação. O soteropolitano já sabia que teria Neymar como um dos jogadores com mais de 23 anos, mas ainda restavam outras duas vagas.
“A gente contactou muita gente e tivemos muitas negativas. Tava no limite, eu não dormi no dia. O Neymar tinha dito que iria com a gente. Eu cheguei ao Renato Augusto, porque ele falou ao time chinês que viria de qualquer forma, bateu o pé. E a princípio o goleiro era o Fernando Prass, mas ele se contundiu na véspera de um amistoso e não dava tempo de recuperação. Aí eu cheguei no Weverton, por ele ser um homem a mais para construir o jogo”, continuou dizendo.
Quem se recorda do primeiro ouro olímpico da seleção brasileira no futebol não esquece que as atuações pouco empolgaram nos dois primeiros jogos. Diante de sua torcida, a Canarinho empatou suas duas primeiras partidas em 0 a 0, mas Micale tinha um plano para mudar o rumo daquela campanha que seria lendária. Para o terceiro compromisso, o comandante abriu mão do 4-3-3 e partiu para o 4-2-4, substituindo Felipe Anderson por Luan.
“Eu cometi um erro. Eu treinei com esse elenco a maioria da preparação no 4-2-4, mas eu mudei muito pelo Neymar. Ele estava voltando de lesão e não ia colocar ele para ‘marcar lateral’, e trouxe ele, pela primeira vez, por dentro. O Luan estava pedindo passagem e eu precisava de alguém para ‘pifar’ os atacantes. Mas foi uma decisão acertada, porque nós ganhamos. E dali em diante eu resolvi manter essa equipe”, completou.
Depois de garantir a classificação no último jogo, com a goleada sobre a Dinamarca por 4 a 0, a seleção brasileira começou a desfilar. Os comandados de Micale passaram com facilidade por Colômbia e Honduras até chegarem à final, onde enfrentariam o duro carrasco de dois anos antes: a Alemanha.
“Para mim, foi um terror. Eu passei duas noites sem dormir quando eu vi que era a Alemanha na final. Todo o nosso histórico estava muito alto na minha cabeça. ‘Como que eu vou resolver essa situação?’ Lembrava do Maracanazo de 50, depois da Copa do Mundo (de 2014). Se a gente perdesse, ia acabar de vez, ninguém ia prestar, ia ser terrível”, disse.
Mas o futuro sorriu para os brasileiros. Com emoção até o fim, a Canarinho superou a Alemanha nos pênaltis, com Neymar convertendo a quinta e última cobrança depois da defesa de Weverton no pênalti de Nils Petersen e conquistou, pela primeira vez na história, o ouro olímpico no futebol.
O êxtase, porém, foi muito curto para Micale. Pouco depois de retornar para a Granja Comary, o comandante já foi avisado que seria o treinador do Brasil no Sul-Americano Sub-20 de 2017, e a preparação já estava rolando. Foi ali o início do fim da trajetória de Rogério com a Amarelinha.
“Estava combinado dentro da CBF que quem iria fazer o Sul-americano era o Carlos Amadeu, depois eu retornaria, mas aí mudou tudo. Eu ia mesmo de última hora e tinha conseguido resultados. Nessa, infelizmente, eu não consegui. A gente fez cinco pontos. Talvez foi a primeira vez na história que com cinco pontos uma equipe não vai ao Mundial. Muitas coisas deram errado. Eu achei estranho (a demissão) e fiquei magoado, porque não era para eu ter ido para o Sul-Americano. Não tinha tido nenhum resultado abaixo de finais com a seleção brasileira sob o meu comando”, falou Micale.
De volta aos clubes (e seleções)
Ao ser demitido da seleção brasileira, Rogério Micale voltou os olhos ao mercado nacional e decidiu retornar para a sua antiga casa, o Atlético, agora no comando da equipe profissional. Micale assumiu o Galo nas quartas de final da Copa do Brasil, e foi recebido logo com uma eliminação frente ao Botafogo. Seu tempo em Minas, porém, foi curto: após uma derrota para o Vitória na 25ª rodada do Brasileirão, pouco menos de dois meses depois de ser contratado, Rogério se despediu do cargo.
“Eu não consegui treinar. Teve momentos que a gente jogou três vezes na semana, você vivia dentro do aeroporto. O Roger tinha saído por isso, porque o Galo estava perdendo muito dentro de casa. E eu perdi pro Vitória. Achei que foi implacável, achei que foi pouco (tempo), foi curto. Você não tem tempo de poder mostrar a tua qualidade. Você tem que ir todo dia apagar incêndio”, disse o comandante.
Micale, então, aguardou até o fim do ano de 2017 para, em 2018, assumir o Paraná. Por lá, as coisas foram diferentes, mas o fim foi o mesmo: o comandante teve mais tempo de treino, mas não se sentiu confortável diante da sequência negativa de resultados no retorno do clube à elite, e deixou o cargo com o time na lanterna do Brasileirão.
Posteriormente, o treinador passou algum tempo na crise econômica do Figueirense, treinou as categorias de base do Cruzeiro e teve outra passagem pelo Paraná antes de decidir deixar o Brasil. O destino seria a Arábia Saudita, mas anos antes das contratações badaladas como Neymar e Cristiano Ronaldo.
“Eu acho que as portas no Brasil reduziram muito. Eu comecei a ficar muito inseguro nas opções que me apareciam, de fazer um trabalho ruim. A opção de abrir mercado para fora foi, também, uma possibilidade de viver uma nova cultura, viver um novo país. Eu tive a oportunidade de ir para o Al-Hilal trabalhei com Gustavo Cuéllar, André Carrillo e Bafétimbi Gomis. Eu cresci muito vivendo aquele ambiente, ali sim é pressão. É muito investimento e a cobrança é muito grande, você tem que ganhar todos os jogos”, pontuou.
Após uma temporada no Al Hilal e outra no Al Dhafra, dos Emirados Árabes Unidos, Micale volta a treinar uma seleção olímpica, dessa vez o Egito. E, como tinha de ser, a experiência foi positiva e vitoriosa na África, mas o inédito título ficou apenas na imaginação.
“Para mim foi fantástico. A gente conseguiu melhorar os jogadores, a gente conseguiu montar uma seleção bacana. Nas Olimpíadas eu tive um pouco de dificuldade, não tive a liberação de três jogadores mais velhos, sendo apenas dois, mas chegamos às semifinais. Foi a melhor campanha da história do Egito, e deixamos um legado de oito jogadores hoje na seleção principal”, disse.
“Saí de lá e renovei o contrato para mais um ciclo. Peguei jogadores agora com 19 anos, mas eles vão chegar para as Olimpíadas com 23. Só que classificamos para o Mundial agora no Chile e houve um rompimento do contrato. Eu não trouxe o time para participar do Mundial. É uma pena, porque é uma seleção interessante, mas não foram bem, caíram na primeira fase. Até existe alguma conversa, talvez um retorno lá”, completou.
Agora sem emprego, Rogério Micale não quer ficar muito tempo parado. O treinador “paizão” aproveita o tempo com sua família, mas já mantém os olhos no mercado para voltar a trabalhar. O futuro, porém, ainda é um mistério, enquanto o Brasil parece um pouco distante…
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