“Eu sou futebol, eu gosto do futebol, eu vivo futebol”. É assim que Júnior Caiçara, lateral direito do Primavera se define. Aos 36 anos e nos “finalmentes” da carreira, o jogador rodou a Europa com destaque por todos os lugares onde passou, vem de rebaixamentos árduos no cenário nacional e é capitão em uma espécie de recomeço próprio no interior de São Paulo.
A trajetória de Uilson, que escolheu Júnior Caiçara ainda nas categorias de base do Santo André por conta do antigo companheiro Júnior Dutra, tem seu primeiro destaque no Ramalhão em 2008, mas começa antes disso. Depois de passagens por Jabaquara, São Vicente, Portuguesa Santista e Santos enquanto ainda não era profissional, Júnior se destacou no clube do ABC, sob o comando de Sérgio Guedes, Sérgio Soares e Alexandre Gallo e ao lado de Maikon Leite, Bruno César, Ricardo Goulart, entre outros.
Caiçara, então, subiu aos profissionais do Ramalhão, foi emprestado para CSA e América-SP e retornou ao ABC paulista em 2010. No clube da grande São Paulo, o jogador teve sua grande chance na Brasileirão, mas não a aproveitou: com muitos erros cometidos e um cartão vermelho em 45 minutos no Estádio Major Antônio Couto Pereira contra o Coritiba, o jovem atleta na época perdeu espaço no elenco paulista. Mas o futuro sorriu para ele.
“Foi quando os portugueses vieram uma vez assistir o treino, que não era nem para mim, era para os mais experientes, de 23, 24 anos. Por incrível que pareça, num treino amistoso que fizeram do time principal contra a molecada do sub-20, gostaram de mim e me levaram para jogar no Gil Vicente”, disse o jogador em entrevista exclusiva a oGol.
A passagem em Portugal serviu para abrir as portas do futebol europeu. Foram 71 jogos em duas temporadas e o retorno à elite nacional depois de cinco anos na segunda divisão. Apesar da dificuldade em sair do Brasil muito jovem, aos 19 anos, e da maior exigência no velho continente, Caiçara se saiu bem e continuou escrevendo sua história.
“Foi muito difícil, chegar em Portugal, com muita exigência tática, técnica e tudo. Mas para mim foi bom, por incrível que pareça, a gente pegou elenco que montaram às pressas e a gente conseguiu subir o time para a primeira divisão. Foi onde que eu tive praticamente uma base, profissionalmente falando. Foi de grande importância para mim ter ido nesse momento para Portugal”, continuou dizendo.
Depois de dois anos na Península Ibérica, Caiçara seguiu no futebol europeu, mas para defender o Ludogorets Razgrad na Bulgária. Hoje 14 vezes campeão da Liga Búlgara e com 25 taças em sua sala de troféus, o clube tinha, naquela época, apenas três títulos. Seu empresário chegou a classificar a mudança como um “cheque mate de xadrez”, mas, outra vez, foi uma grande decisão para ele, que, hoje em dia, é o quarto brasileiro com mais jogos pela equipe.
“Foi ali onde minha carreira realmente teve uma mudança, uma mudança de vida no geral. É um clube que me deu estrutura para trabalhar, fui multicampeão por lá e acabei virando ídolo no clube. Eu serei grato para o resto da vida. Foi lá que eu pude disputar a UEFA Champions League, a Liga Europa, e dali eu pude dar outro grande salto na minha carreira”, pontuou.
O auge futebolístico na Europa
Saindo pela porta da frente do Ludogorets, Caiçara desembarca na Alemanha para defender o Schalke 04, onde viveu o seu “auge futebolístico”. O lateral fez uma boa temporada de estreia sendo titular em Gelsenkirchen, mas, por conta das mudanças no comando técnico e na diretoria, as chances ficaram escassas na segunda e a passagem acabou antes de completar dois anos.
“É um dos melhores campeonatos do mundo, poder jogar contra Borussia Dortmund, Bayern de Munique, jogar ao lado de Leroy Sané, Choupo-Moting, Klaas-Jan Huntelaar, Leon Goretzka. A minha saída foi muito inesperada, eu não queria sair, eu achava que a próxima temporada seria melhor ainda, aumentaria o número de jogos, mas teve a troca do treinador, veio uma diretoria nova e começaram a mudar o elenco. Hoje eu acho que me precipitei um pouco, poderia ter esperado”, disse o atleta.
Foi na Alemanha que Júnior viveu uma experiência inesquecível dentro do futebol, com toda a aura do Revierderby, clássico entre Borussia Dortmund e Schalke, o “maior clássico da Alemanha” para o atleta. E não só no jogo, mas também no treino antes do grande confronto. Foi “algo surreal”, segundo o próprio jogador.
“No meu último derby contra o Borussia, eu me recordo que um dia antes, tinha sete mil torcedores no nosso CT assistindo o ‘rachão’. No dia do jogo, por incrível que pareça, terminou 4 a 4. Me recordo que no final do jogo eu chorei. E não foi chorar de ter empatado, foi de emoção, eu chorava e não entendia o porquê. Hoje na idade que eu estou, não sei se viverei isso novamente, foi muito boa a sensação”, disse.
Caiçara saiu para jogar no Basaksehir e por lá se tornou ídolo. Fundado em 1990, o clube turco tinha recém completado 25 anos quando o lateral brasileiro passou por lá. Na temporada 16/17, a equipe europeia fez do brasileiro a contratação mais cara de sua história na altura, pagando 3 milhões de euros. Hoje, ele é o não europeu com mais jogos pelo clube.
E, de quebra, Caiçara fez parte da maior conquista da história da equipe: o Campeonato Turco de 19/20. Depois de bater na trave em duas temporadas, o elenco se fortaleceu e rumou à conquista do título. Ficou apenas uma pequena mágoa por ter sido durante a pandemia, mas o troféu está lá, com o nome de Júnior e de seus companheiros.
“O título escapou na minha primeira temporada. Na segunda temporada, o Besiktas fez uma grande atuação, não deu chances. Na terceira temporada, a gente tinha aprendido a perder, aprendido a sofrer. E aí foi que a experiência de ter jogado duas temporadas juntos, com Gaël Clichy, Emre Belozoglu, Demba Ba, Martin Skrtel, Robinho, ajudou a conquistar esse título. A gente bateu na trave lá atrás e na terceira não poderia escapar. A gente ganhou de todos os gigantes, Galatasaray, Besiktas, Fenerbahçe. Isso me levou a virar ídolo do clube. É um feito histórico”, disse o jogador.
Caiçara teve, na segunda temporada pelo Basaksehir, a possibilidade de jogar a Champions League contra Manchester United, PSG e RB Leipzig. Porém, por conta de graves lesões no tendão de aquiles, algo que seria prejudicial para o restante de sua carreira, disputou apenas uma de seis partidas possíveis.
De volta para a sua casa
Depois de pouco mais de seis temporadas na Turquia e 12 na Europa, Caiçara entendeu que era a hora de voltar para o Brasil. Após investidas mal sucedidas de Flamengo e Internacional enquanto estava em Istambul, o lateral retornou para seu país natal aos 34 anos, em 2023, para defender o Santos. Mas a passagem profissional no clube que ama não foi como ele esperava.
Naquele ano, o Peixe passou pelo pior momento em sua história. Foi em 2023 que a equipe conheceu seu primeiro rebaixamento à Série B. E, ainda sentindo a lesão no Tendão de Aquiles dos tempos de Basaksehir, Júnior pouco pôde ajudar o Alvinegro Praiano a sair daquela situação. Tanto que foram apenas cinco jogos em seis meses.
“Eu sabia que eu precisava de um tempo para poder jogar em alto nível. Eu tive uma conversa com o professor Diego Aguirre, e ele falou ‘vamos te dar a oportunidade, vamos te dar esse contrato’. Ele chegou para mim e falou que eu tinha um mês para me preparar. Eu tava evoluindo na primeira semana, mas o Santos vinha perdendo jogos. O Aguirre falou ‘não tem mais tempo, a torcida tá pressionando, a diretoria tá pressionando, você precisa ir para a Vila’. E aí foi onde eu acho que eu me precipitei”, pontuou.
“Eu não culpo ninguém, eu que deveria ter falado que não dava e ter esperado o momento certo. Não consegui ajudar o Santos naquela altura. Ninguém quer viver isso na sua história, e aconteceu comigo. Foi um dos momentos mais difíceis da minha carreira. Você vem para o Brasil, teu sonho de criança e você cai. Eu só queria me esconder depois de tudo aquilo. Eu me isolei na minha casa, fique sofrendo sozinho. Nem sei o que falar. Até para voltar a jogar futebol fica difícil. Você fica até com medo, será que eu consigo jogar mesmo? Será que eu sou bom de jogar futebol?”, continuou dizendo.
A trajetória do Santos ficou marcada, também, por uma dura derrota para o Internacional no Beira-Rio. Pela 28ª rodada do Campeonato Brasileiro, o Peixe sofreu uma goleada para o Colorado por 7 a 1. Naquela partida, Júnior Caiçara veio do banco de reservas no intervalo, quando já estava 4 a 0, mas não conseguiu ajudar a diminuir o prejuízo.
“Eu me recordo bem do vestiário, todo mundo triste, jogadores chorando. É um baque. Você está remando para sair daquela situação e a gente toma aquele 7 a 1 com a possibilidade de entrar de novo na zona. Passa meio que um filme na cabeça, ‘será que agora acabou de vez?’. Eu era um dos mais experientes no vestiário fui um dos que falou naquele momento. E eu tentei ser firme naquela hora, mas por dentro, eu estava muito magoado, muito triste”, pontuou.
Depois de todo o marasmo vestindo preto e branco, Caiçara, então, fica dois meses em reconstrução própria e, no ano seguinte, decide retornar para o Santo André, clube que o lançou ao futebol. Mas, se não bastasse o rebaixamento pelo Peixe, vem também um pelo Ramalhão, no Campeonato Paulista.
“Eu tava com aquele medo, receio da lesão, tinha aquela questão de ter caído em divisão, a cabeça não tava legal, mas eu fui, eu tomei a coragem. O Fernando Marchiori (treinador) me chamou e me deu coragem também. Mas eu fiz um campeonato abaixo do que eu costumo fazer, que eu costumava fazer, pelo menos. Mesmo a gente tendo caído, foi um momento que a chave de querer jogar novamente virou”, disse Caiçara.
O jogador, então, ficou seis meses afastado do futebol, para se recuperar fisicamente e mentalmente, e foi a convite do mesmo Fernando Marchiori que Júnior voltou a fazer o que mais amava. Em 2025, o jogador foi anunciado pelo Primavera de Indaiatuba para a disputa do Paulista A2. E o futuro não podia ser mais justo: o lateral foi capitão na disputa do estadual e colocou a equipe na elite pela primeira vez na história, depois de 98 anos de vida.
Atualmente, o Primavera tem a disputa da Copa Paulista ativa, que dá uma vaga para a Copa do Brasil e uma para a Brasileirão Série D. A equipe é uma das favoritas na busca pelo título, principalmente por ter mantido a base vice-campeã da Série A2, e o futuro parece ser sorridente para Júnior Caiçara e seus companheiros.
“O objetivo é muito grande, é muito valioso para a gente essa Copa Paulista. Parece que não. ‘Ah, estamos jogando a Copa Paulista’, mas vale muito. O objetivo é um só, colocar o Primavera no cenário nacional. É muito grande e muito valioso. A gente está com faca nos dentes, sangue nos olhos, tem que atropelar quem estiver pela frente”, concluiu.
Hoje, Uilson de Souza Paula Júnior está na reta final de sua grande e vitoriosa carreira, com mais de 500 jogos e sete títulos. Aos 36 anos, o jogador entende que veio para o Primavera para “fazer a transição de dentro para fora dos gramados”. A dúvida que fica é seguir na parte administrativa ou técnica, porque uma coisa é fato: Júnior é do futebol e seguirá sendo por algum tempo.
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